A Carta ao Dr. David Nassi:

Por: Simon de Albuquerque   
Genealogista e Pesquisador

Natural do Surinam, porém Portuguez na Origem, no Nome e nos Sentimentos...

Na manhã de 23 de setembro de 1798, chegou as mãos do Dr. David Nassi em Paramaribo, uma carta que causou euforia na comunidade judaico portuguesa do Suriname.

O motivo para tamanho alvoroço foram os seus remetentes, nada menos que a Rainha d. Maria I e o Príncipe Regente D. João XVI de Portugal. 

Esse fato é narrada com detalhes por Francisco José Rodrigues Barata, no seu diário de viagem que fez á Colonia Hollandeza de Surinam o Porta Bandeira da Setima Companhia do Regimento da Cidade do Pará pelos Certoens, e Rios deste Estado em Diligencia do Real Serviço, de 1799.


O manuscrito que se encontra hoje na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, traz ao conhecimento do mundo lusitano da época, detalhes até então desconhecido do norte da América do sul. Desde sua geografia exótica , até a descrição detalhada de uma sociedade norte europeia ensaiada entre o mar do caribe e a floresta amazônica.

Para entendermos o fatos ocorridos precisamos regressar um pouco na história, mas precisamente a Campanha do Rossilhão (1793-1795), conflito no qual, os reinos de Espanha e Portugal, com o apoio britânico, declararam guerra à França revolucionária.

Apesar do termino do conflito ter ocorrido com o Tratado de Basileia, assinado em 22 de Junho de 1795, em cidade de mesmo no na Suíça. A França manteve-se em estado de guerra contra o Reino de Portugal.

O mau estar político não só foi sentido por Portugal na Europa, mas também nos constantes ataques franceses a navios mercantes lusitanos na costa da América do Sul.

Foi nesta atmosfera belicosa que em 1797, corsários franceses na costa na Guiana Francesa, interceptaram uma nave portuguesa, invadindo-a e vendendo-a como despojo à Guiana Holandesa.
Quanto a sua tripulação, foi ela abandonada ao Léo.

Foi aí que a comunidade judaica do Suriname, entrou na história.
Recusando-se a qualquer pagamento, acolheu aos tripulantes suprindo-os de suas carências, e por fim, fretando uma embarcação para que retornassem a Portugal.

Rota percorrida de canoa entre Belém de Paramaribo
Ao chegarem a Portugal, o fato veio a se torna de conhecimento publico.

O príncipe Regente D. João, tomando ciência do ocorrido, de imediato enviou uma solicitação ao governador do Grão-Pará , para o mesmo  enviasse um de seus súditos ao Suriname. 

A missão era: entregar uma Carta de agradecimento pelos serviços prestados ao Reino de Portugal.


Para essa missão, o governador do Grão-Pará designou o porta-bandeira do sétimo regimento de cavalaria da cidade de Belém, Francisco José Rodrigues Barata. Que deixou suas impressões dessa viagem e da comunidade judaica registradas em um diário. 


  • Impressões

Seu encontro com o Doutor David Nassi em Paramaribo e da entrega da carta:


(...)"Elle as recebeu com grande prazer e maior respeito, e à proporção que as hia lendo, se lhe descobria no gesto, e nas palavras a suma impressão, e alvoroço que lhe cauzava esta honra que ele reputava mui superior aos motivos q. a occozionarão: Não podendo ja contêr em sua alegria chamou a Sára, sua filha e a todos os parentes, que ali estavão, e aquem deo logo parte de tão inesperada e felix novidade, para que ativessem também no seu contentamento"(...)¹ sic


Francisco José Rodrigues Barata e o alvoroço que sua presença causou entre os Judeus do Suriname:

(…) " Foi tal o alvoroço que cauzou a minha chegada a todas os individuos da Nação Judaica Portugueza, habitante em Surinam, que quando voltamos para a caza de Nassí já ahi se achavão à espera de nós mais de quarenta dos principaes d'entre elles para me felixitarem, e darem a boa vinda, que estimarão muito. Não só pela honra e gloria que della, ou das cartas rezutava a todos; mas também por vir e ser eu natural do paix dos seus antepassados, que ainda consideravão como Patria cuja lingoagem ainda era a de que uzavão, e de que se lembravão sempre com saudades e com ternura.(...)² sic


E descreve o momento de emoção da Nação Judaica Portuguesa quando ouviram o souberam do conteúdo da Carta:

(…) “O dito Nassi lhes participou entã miudamente o contheudo das mesma cartas accompanhado com reflexoens muito proprias para aumenta, e justificar o prazer, que alguns testemunhavão com lagrimas o que me tocou summamente, como hum espetaculo sublime do amor patriotico (...)” sic.³


O Porta Bandeira Luso-brasileiro, não só foi detalhista ao descrever sua viagem no que tange aos aspectos geográficos. Não esqueceu, também, os aspectos sociais da vida da comunidade Judaica como o "acatamento e pompa nos cultos da Sinagoga portuguesa", e do comportamento social refinado comum a esses cidadão na colônia holandesa. Barata, também, descreve em seu diário minuciosamente  uma festa de casamento na comunidade judaica. Onde esteve presente como convidado de honra do Dr. David Nassi.

Paramaribo - Suriname
Sobre a carta e sua repercussão, nos relata  sobre as preces dirigidas na Esnoga do Suriname a vida e a saúde da Rainha e do Príncipe Regente de Portugal como de toda família real portuguesa e do ministro D.Rodrigo de Sousa Coutinho.

No entanto qual era o conteúdo do carta que causou tanto alvoroço aos judeus da Nação?

Não imaginava a Comunidade Judaica que um ato de caridade ao próximo, algo sempre praticado de forma desinteressada em prestigio ou em remuneração. Pudesse render tanta repercussão do outro lado do atlântico. A repercussão desse ato de humanidade gerou um convite inusitado a toda Nação Judaica Portuguesa do Suriname, feita em nome da Rainha e do Príncipe Regente de Portugal:

“(...)Seria tambem muito agradavel ao mesmo Senhor que V. M.coa, ou todos, ou alguns, quizessem voltar a estebelecer-se em Portugal, onde gozariam da maior segurança e tranquillidade, pois que nenhum d'aquelles motivos, que deram causa á sua expatriação, existem presentemente debaixo da regencia do augusto e illuminado Principe que nos governa.(...)”

É provável que a conjuntura política do Reino de Portugal inviabilizou o tão sonhada retorno da comunidade judaica Portuguesa naqueles tenebrosos dias.

As constantes ameaças invasão  do território Português pela França revolucionária. Chegou ao seu ponto mais crítico no ano de 1801, quando a Espanha, sobre o comando das tropas revolucionarias Bonapartistas, invade o território Português.

O principal intuito de Napoleão Bonaparte era desestabilizar a influencia inglesa sobre Portugal.



O reino de Portugal saiu desse conflito territorialmente e economicamente fraturado.

Uma guerra, agora era uma questão de tempo. E não tardou a ocorrer. No dia 30 de novembro de 1807, as tropas francesas invadem  Lisboa. Iniciando um conflito que perdurou por mais de 6 anos.

E mesmo sem ter retornado a tão amada pátria, como nos descreveu F. Rodrigues Barata em seu diário, quando da leitura da carta em público: " testemunharam com lágrimas o que me tocou sumamente, como um espetáculo sublime de amor patriótico"
A  manhã de 23 de Setembro de 1798, ficou marcada na história dos judeus portugueses do Suriname. Depois de 302 anos de espera, finalmente havia chegado o dia em que Portugal fazia as pazes com os seus Judeus.



                                                
  • Nós da Sociedade a Voz da Nação, conseguimos uma transcrição na integra sobre o conteúdo da Carta. Cuja iremos transcrever logo abaixo: ¹¹


Carta ao Dr. David Nassi

Para o doutor David Nassi e os mais da nação judaica portugueza, residentes em Surinam.

Os Portuguezes apresados pelos francezes, e conduzidos a Surinam, logo que chegaram a Lisboa pozeram na real presença do Principe Nosso Senhor, por esta secretaria d'Estado, a noticia dos incomparaveis beneficios que V. M.?ei lhes fizeram, e dos soccorros que lhes prestaram, provendo-os de todo o necessario na summa indigencia em que elles se achavam, e fazendo-os por fim transportar A sua custa até Lisboa. Eu me acho encarregado por Sua Alteza Heal de agradecer a V. M.ccs no seu real nome esta tão nobre e generosa acção, praticada na conjectura a mais propria para lhe augmentar o valor, e em que Sua Alteza Kcal viu- com muito gosto uma provada estimavel lembrança que a nação judaica portugueza conserva da sua antiga patria. E seria tambem muito agradavel ao mesmo Senhor que V. M.coa, ou todos, ou alguns, quizessem voltar a estebelecer-se em Portugal, onde gozariam da maior segurança e tranquillidade, pois que nenhum d'aquelles motivos, que deram causa á sua expatriação, existem presentemente debaixo da regencia do augusto e illuminado Principe que nos governa.
Ten lo cumprido no que acaba de descrever as reaes ordens que recebi de Sua Alteza Real, só me resta olTerecer a V. M.ces os meus bons officios em tudo aquilloemque os possa servir e dar-lhes gosto.—Deus guarde a V. M.ces. Palacio de Queluz em 11 de Novembro de 1797.
—D.Rodrigo de Sousa Coutinho.




Fonte:

http://www.bn.br/portal/

Diario Da viagem, que fez à Colonia Hollandeza de Surinam o Porta Bandeira da Sétima Companhia do Regimento da Cidade do Pará pelos Certoens, e Rios deste Estado em Diligencia do real Serviço > Diario Da viagem, que fez à Colonia Hollandeza de Surinam o Porta Bandeira da Sétima Companhia do Regimento da Cidade do Pará pelos Certoens, e Rios deste Estado em Diligencia do real Serviço.
(1) pág. 89.
(2) pág. 91
(3) Pág. 92

Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Volume 8 / 1867
(11) pag. 202.

As canoas da desforra/Anotações sobre viagem ao Suriname em 1799 mostram encontro com judeus portugueses. Por :Iuri A. Lapa e Silva. 

http://www.revistadehistoria.com.br