Uma multidão de fiéis
rezando diante do Convento de São Domingos em Lisboa.
Esta é a imagem que nos descreveu o cronista Damião de Góis, em
sua Chronica do Felicissimo Rey D. Emanuel da Gloriosa Memória.
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Uma das duas únicas gravuras sobreviventes da época |
Era uma época de calamidades no Reino de Portugal.
A peste negra ceifava
vidas e aguçava o clima apocalíptico entre aldeões, os cidadãos da urbe e
os marinheiros estrangeiros que se encontravam em Lisboa.
A seca destruía as
lavouras e, consequentemente, a fome pincelava com tons negros os toques finais que compunham a aquarela de terror.
Não fazia nem se quer uma década que os Judeus Portugueses sofrera um duro golpe.
Este que, por sua vez,
veio a por fim a vida judaica legal em terras
Lusitanas.
Se pararmos um pouco para refletir, este sentimento de "fim do mundo",
já havia iniciado-se oito anos antes com o decreto de Expulsão dos Judeus de Portugal.
Episódio
este que, não aconteceu como na vizinha
Espanha. Sendo deveras mais
complexo no âmbito
social e cultural.
Mas, isto é assunto
para um próximo artigo...
Perante tanta
calamidade, o povo recorriam a fé e aos religiosos como
única solução para o fim
de tempos tão
difíceis.
Entretanto, como de
praxe, o fanatismo e a intolerância, sempre
encontraram terreno fértil
para se disseminar em
épocas como esta.
Foi dessa forma que
teve inicio a maior matança investida
contra o povo judeu em terras
Portuguesas: O Massacre
de Lisboa.
Entendo melhor os
fatos:
O El Rey Dom Manuel, o Venturoso, e sua Corte, haviam passado a
Abrantes, meses antes, a fim
de escapar da Peste que
tomava grandes proporções na
cosmopolita e agitada Lisboa.
A ausência do poder
secular permitia que agitadores pudessem “buscar”, ao sabor do fanatismo, culpados pela tão voraz calamidade que assolavam a nação..
No dia 19 de Abril de
1506, as tensões aumentaram. Alcançarando o
seu ápice, quando Frades
dominicanos, prometendo absolvição de pecados, incitaram as massas em uma caça aos
"hereges", apontados como a causa da "ira divina".
A procura de um "bode expiatório" para os males que afligiam a nação
não tardou a cair sobre os
Cristãos-novos. Parcela
esta da população portuguesa acusada,
constantemente, como
"Os provocadores da ira
dos Céus"
Os Cristãos-novos eram
constantemente acusados de não serem “bons”
cristãos.
E de manter o judaísmo
como religião..
Eis um "bode
expiatório ideal" encontrado pelos agitadores para explicar
a " ira de Deus"
que caia sobre Portugal.
humanista português
Damião de Góis, que viveu nessa turbulada época
narre os acontecimentos
desse terrível
genocídio:
"No mosteiro de
São Domingos existe uma capela,
chamada de Jesus, e
nela há um Crucifixo, em
que foi então visto um
sinal, a que deram foros
de milagre, embora os
que se encontravam na
igreja julgassem o
contrário.
Destes, um Cristão-novo (julgou ver, somente), uma candeia
Destes, um Cristão-novo (julgou ver, somente), uma candeia
acesa ao lado da imagem
de Jesus. Ouvindo isto,
alguns homens de baixa
condição arrastaram-no
pelos cabelos, para
fora da igreja, e mataram-
no e queimaram logo o
corpo no Rossio.
Ao alvoroço acudiu
muito povo a quem um frade
dirigiu uma pregação
incitando contra os
Cristãos-novos, após
o que saíram dois frades
do mosteiro com um
crucifixo nas mãos e
gritando: “Heresia!
Heresia!”
Isto impressionou
grande multidão de gente
estrangeira,
marinheiros de naus vindos da
Holanda, Zelândia,
Alemanha e outras paragens.
E tem inicio o
massacre:
"Juntos mais de
quinhentos, começaram a matar os
Cristãos-novos que
encontravam pelas ruas, e os
corpos, mortos ou meio
vivos, queimavam-nos em
fogueiras que acendiam
na ribeira (do Tejo) e
no Rossio. Na tarefa
ajudavam-nos escravos e
moços portugueses que,
com grande diligência,
acarretavam lenha e
outros materiais para
acender o fogo. E,
nesse Domingo de Pascoela,
mataram mais de
quinhentas pessoas."
O Segundo dia do
Massacre:
(20 de Abril de
1506)
“(...) na
Segunda-feira, continuaram esta maldade com
maior crueza. E, por já
nas ruas não acharem
Cristãos-novos, foram
assaltar as casas onde
viviam e arrastavam-nos
para as ruas, com os
filhos, mulheres e
filhas, e lançavam-nos de
mistura, vivos e
mortos, nas fogueiras, sem
piedade. E era tamanha
a crueldade que até
executavam os meninos e
(as próprias) crianças
de berço, fendendo-os
em pedaços ou
esborrachando-os de
arremesso contra as
paredes.(...)”
O Terceiro dia e
ultimo dia do massacre:
(21 de
Abril de 1506)
“Na Terça-feira,
estes danados homens
prosseguiram em sua
maldade, mas não tanto como
nos dias anteriores; já
não achavam quem matar,
pois todos os
Cristãos-novos, escapados desta
fúria, foram postos a
salvo por pessoas
honradas e piedosas,
(contudo) sem poderem
evitar que perecessem
mais de mil e novecentas
criaturas.”
O morticínio teve fim
na tarde da terça-feira, dia 21 de Abril de
1506, quando a noticias chegaram ao El Rei Dom
Manuel, ao qual enviou poderes especiais para
conter e castigar os culpados.
Muitos foram presos e
enforcados.
Aos frades que
incitaram o tumulto fora-lhes destinado a pena capital
como castigo.
As Consequência:
As tensões entre os
cristãos-novos e os cristãos velhos aumentaram
dramaticamente após o massacre.Pois muitos ainda
continuavam a crer que o Massacre fora algo
“divino”e que, seus executores, não
deveriam ter sido castigados com a pena capital.
Apesar de Todas as
medidas tomadas no reinado de Dom Manuel, para
evitar que os Cristãos-novos sofressem
segregação e agressões. Anos difíceis estavam
por vim.
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Monumento em Memoria do Massacre de 1506 |
O Massacre de Lisboa,
marca o inicio definitivo da Diáspora Sefardita
Portuguesa por outras
terras.
É importante deixar
claro que, a Diáspora Sefardita Portuguesa, ocorreu de forma
diferente da Espanhola. Sendo que a Primeira não aconteceu de uma
só vez, e sim em levas que perduraram até o fim Oficial do Tribunal
do Santo Oficio em Portugal, extinto formalmente numa sessão das
Cortes Gerais em 1821.
Em 23 de Abril de 2008,
pela primeira vez, o Massacre de Lisboa foi lembrando com a construção, no largo
de São Domingos, de um monumento em memória das vitimas do
genocídios que exatamente a 507
anos ceifou a vida de aproximadamente 2500 judeus em Lisboa.